Segredos - Parte 2

Sexta-feira.
Noite de outono.
Se existe um segredo que quero proteger, ele continua intacto do outro lado de tudo. Primeiro, porque os vejo como quem quer guardá-los escondidos numa caixinha. Depois, porque meus personagens pouco se deixam revelar - ainda que estejam muito próximos da realidade -, seja porque nunca olham de frente, seja porque também não os quero por inteiro. Dessa forma construo a minha história entre presenças e ausências.
Meus personagens são construídos entre boas taças de vinho. São personagens de limites, cheias de emoções e sensações, algumas vezes metafóricas, outras vezes singular. Um personagem enigmático, uma "senhora" envolta numa textura quase sépia. Um personagem transformado num traço de memória. Na maioria das vezes oculto, algumas vezes plural.
Quero me entregar a um jogo de espelhos. Ao construir cada personagem, eu lentamente me deito no divã, e embora minhas palavras às vezes tentem fugir, subitamente ouço deles um grito de socorro e então entro num momento de total reflexão.
Assim, meus personagens e cenas e conversas retornam ao espaço sagrado de um túnel escuro e sem fim, fazendo com que o outro lado seja muito próximo de onde estou: nas ruas, na cidade solitária de São Paulo, dentro de casa, diante das ruas iluminadas da Av. Paulista. Ou, mais adiante, na proposta de descoberta, quando meu personagem - refletido do outro lodo de tudo - se revela no espelho de autorretratos que são quase gotas. As gotas de um segredo que construo para guardar!

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